sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Mais uma viagem de busão

No meio da noite em um dia de semana, o cenário dentro do ônibus é assim: pessoas com cara de derrota, cansadas, amassadas, fedidas, imploram pelo amor de Deus que haja um lugar vago onde possam repousar suas ancas a caminho de casa. Alguns levando a situação com bom-humor, lembram das peripécias do dia, outros se resignando, somente esperam a chegada a casa, outros ainda, com raiva do mundo, fazem demonstrações explícitas de sua indignação.

Como faz todos os dias, João entra no coletivo e se senta no mesmo lugar. Mas, dessa vez, emburrado. O cobrador, paz e amor, não dá muita atenção. “Vai ver acordou de pé esquerdo”, pensa. E o motorista segue. Lá pelas tantas, João se levanta. A moça ao seu lado se vira em direção ao corredor e dá espaço para que ele passe, sem nem notar sua fúria. Ela é uma das resignadas. Está muito concentrada em seu próprio cansaço para se atentar a ele.

João caminha até o corredor e lá fica, se equilibrando por entre as manobras do motorista que também parece ter pressa em chegar a casa. Em uma das curvas, ele esbarra feio na loira sentada à sua frente. “Desculpa”, diz seco, revoltado por ter que passar por mais essa. “Depois de tudo o que já aconteceu hoje”, pensa. A loira se mostra bastante invocada e faz um olhar de quem diz: “Isso lá é jeito de pedir desculpas?”. Pronto. O circo está armado.

Ela não gosta de como ele pediu desculpas. Ele não gosta de como ela olhou para ele. Ambos começam a discutir. Uma gritaria é instaurada. Alguns se afastam, outros acordam, outros ainda só querem manda-los ficarem quietos. As vozes ficam mais exaltadas. Os xingamentos mais ferozes. É “vadia” para cá, “arrombado”, pra lá. O magrelinha ao lado não se conforma e parte pra cima de João. “Você tá loco de falar assim com a mulher?”, diz, o chamando para briga. Eles começam a se estapear. Chutes e pontapés são distribuídos aos montes.

O magrelinha enche o peito, agarra nas barras laterais do ônibus e concentra toda sua potência no pé direito que, (Pimba!), acerta o tórax do rival e o faz cair no fundo do carro. Agora, além de revoltado, raivoso e indignado, João se sente humilhado. A ira toma conta de seus olhos e ele se levanta como um touro para atingir o magrelinha.

Todos reivindicam uma atitude do cobrador. Paz e amor, como só ele sabe ser, sempre repete: “Minha melhor arma é a sabedoria”. Então, vai calmamente em direção aos dois homens e pede que parem com a confusão. “Tira a mão de mim”, diz o magrelinha. Imediatamente, o cobrador leva os braços para cima, consente com a cabeça e volta para sua cadeira, onde fica, como se nada houvesse.
                                                                             
Chega o ponto de descida de João. Ele continua chamando loira e magrela para a briga. “Desce aqui pra ver só!”, provoca. Ambos rebatem. A loira diz ser faixa preta de jiu jitsu, o magrela diz não ter medo de bicha loca. O bate-boca segue, mas João desce, ainda que aos berros. Ele precisa fazer alguma coisa. Reverter a situação. Não quer sair por baixo. Não depois de tudo. Então, vai direto até a um amontoado de coisas na calçada e acha um pedaço de pau. Com ele, esbraveja e ameaça joga-lo no ônibus junto com tudo o mais que encontrar.

Os passageiros amedrontados e já entediados com a história toda pedem, quase em coro, que o motorista arranque e saia logo dali. Ele faz que vai atender a solicitação. Mas, não o faz. Em menos de um minuto, o ônibus para e a porta dianteira é aberta. O superman entra em ação. Ele desce com o braço direito enrijecido, apontando uma pistola calibre 40 para o protagonista da balbúrdia. Pessoas se jogam no chão. O som é de jacas despencando. Superman se diz policial, manda João parar de tumultuar e caminha a passos determinados em direção a ele, que fica atordoado. “Como eu posso ter acordado de manhã para trabalhar e estar indo dormir com uma arma na cabeça?”, pensa enquanto corre para casa.


João vai, superman volta, motorista dirige e a vida continua. 

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Velhinha inofensiva

Em um ponto de ônibus qualquer, duas mulheres conversam distraidamente. Na direção delas, caminha uma senhora bem apresentável e com um ar simpático, na casa dos 60 anos. Ao se aproximar, ela se direciona a uma das moças, esboça um sorriso e pergunta:

— Posso te dizer uma coisa?

A moça olha para colega ao seu lado, pensando “Que mal pode haver?”.  Então, se vira para a idosa, devolve o sorriso e responde:

— Mas, é claro!

Em um milésimo de segundo, o rosto da senhora se embrutece. Com total indignação, ela se inclina para a moça e afirma taxativa:

— Você precisa mesmo é de um macho!

Durante alguns segundos, as duas colegas tentam compreender o que acabara de acontecer. Ainda atônitas, elas observam a senhora seguir, bufando a passos firmes, para o ônibus que acaba de parar.



sábado, 5 de outubro de 2013

Encontro a dois


Duas pessoas. Duas expectativas. Um encontro.