sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O Não

Aquele que recusa, rejeita, priva, destitui, impossibilita.
Aquele que fecha a porta.
Aquele que obriga a mudar a rota,
mas que preserva a chance de seguir em frente.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O Pássaro na Chuva

Muitas gotas de água caíam do céu. Caminhando pela calçada, vi um passarinho todo pomposo parado logo à frente. Achei estranho. Porque ele não fugia da chuva? Pensei que talvez a liberdade também seja correr riscos. Pensei que talvez ser livre seja ter coragem para admirar a beleza da vida sem uma couraça protetora. Pensei que talvez Gil Pender tenha razão: Andar na chuva pode ser divertido. Só pensei. A segurança do guarda-chuva me pareceu mais atraente. O pássaro voou e eu segui. Quem sabe num outro dia?

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Sociedade Ideal

Queria que todos pudessem fazer o que gostam e estar com as pessoas que amam.
Queria que isso fosse o bastante.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

“Acompanhante de Celi!”

Na sala de espera de um centro de diagnóstico em gastroenterologia, a enfermeira baixinha com ar rabugento abriu a porta que leva a área de exames e anunciou: “Acompanhante de Celi!”. Como ninguém atendeu ao chamado, ela deu alguns passinhos para frente e, ainda segurando a porta repetiu: “Acompanhante de Celi!”. Todos se entreolharam e fizeram comentários aos cochichos, mas não houve resposta. Com um suspiro de desaprovação, ela se retirou. Minutos depois voltou para chamar: “Seu João, acompanhante de Dona Celi!”. 

Quando todos perceberam que ninguém se pronunciaria, um senhor, de cinqüenta e poucos anos, se ofereceu para perguntar na escadaria de entrada do centro. Vai que o tal João estava lá? Não estava. A enfermeira, já desesperançosa, de novo fez soar a convocação: “Seu João, acompanhante de Dona Celi!”.  O solícito homem que havia decidido se empenhar na busca pelo seu João e liberar a coitada da Dona Celi, avistou um indivíduo de estatura mediana, barrigudo e de cabelos escuros dormindo na última fileira de cadeiras e comentou: “Será que não é ele?”.

A enfermeira, querendo resolver logo o impasse, deu de ombros e fez aquela expressão de “quem sabe?”. Imediatamente, um rapaz que estava ao lado do dorminhoco foi instruído a tentar acordá-lo. “Você é o seu João?”, perguntou ao cutucá-lo. Com os dedos entrelaçados, ele levou as mãos para alto, bocejou e indicou que sim com a cabeça. “Aeeeeeee!”, os demais espectadores gritaram, enquanto riam com a satisfação de quem presenciava o acontecimento de algo muito esperado. Dona Celi poderia ir para casa.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O Tombo

“Plaft!”. Diferente do liso e molhado chão que causou a queda, o barulho foi seco e o tombo, dolorido. Era mais um daqueles dias chuvosos na capital paulista, quando portando um grande guarda-chuva verde e calçando o recém adquirido All Star rosa, ela caiu estatelada de bunda no chão.

Não sabia se ria ou se chorava, se amaldiçoava o responsável pela calçada, pela chuva ou pelo All Star, se morria de vergonha ou de dor, se conseguiria um dia se levantar dali ou não. O destino estava próximo. A moça só queria chegar ao seu local rotineiro de trabalho, a poucos metros dali, mas a dor que tomou toda a região de seu Cox , e a falta de transeuntes solidários a impediu por alguns minutos.

Até que, com um longo e profundo suspiro, ela criou coragem. Colocou as mãos sujas que ardiam de volta no chão e, com um impulso, se levantou. Ao ficar em pé, percebeu que a missão de caminhar não seria fácil. Deu alguns poucos passos e, como a vergonha neste instante era bem menor do que a dor que sentia, foi até a portaria do prédio ao lado para compartilhar o que alguns chamariam de “mico” e pedir algum tipo de ajuda.

Subiu os cinco degraus da entrada, fez uma cara de pobre menina machucada e disse: “Moço, eu caí ali na calçada”. O porteiro, não entendendo nada, quis saber onde. Ela explicou que era na casa do lado e choramingou: “Tô com o bumbum e as pernas doendo pra caramba. Minhas mãos estão sujas. Será que eu posso entrar, me sentar e lavar as mãos em algum lugar? Rapidinho?”.

O idoso compadecido foi logo abrindo o portão e oferecendo a sua cadeira na guarita para a acidentada.  Um misto de alívio e felicidade se instaurou, enquanto ela abriu um largo e encabulado sorriso. Ficou por alguns instantes, lavou as mãos, se recuperou, agradeceu e foi trabalhar a passos lentos, mas confiantes, já que desvios acontecem e a vida continua.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A Batalha

Joelhos semi-flexionados, tronco levemente curvado para frente, braços posicionados para uma partida de tênis, olhos desafiadores que miram o alto e ouvidos atentos para encontrar os responsáveis pelo incômodo zunido e os vermelhões que são colecionados na extensão da pele que tenta respirar, desprovida de coberturas têxteis no calor veranil dos trópicos.

Os assistentes levam seu trabalho a sério. Como navegadores em uma corrida automotiva, eles dão indicações de onde encontrar os inimigos. Cada um grita uma direção, mostra com as mãos, abaixa a cabeça para se proteger de possíveis complicações de batalha, enquanto, em êxtase pelo porte da arma que lhe dá o controle sobre a vida e a morte dos adversários, o atacante escala obstáculos, dá curtos saltos e fortes golpes no ar.

Apesar de melhor equipado, maior e mais forte, o obstinado guerreiro perde os rivais de vista que parecem ter na pequenez seu grande trunfo. Até que um surge bem a sua frente. De maneira instintiva, ele faz um rápido e forte movimento com o braço direito. A sinfonia de estalos, as faíscas azuis e a fumaça da vitória são emitidas do instrumento de ataque e, uma grande e satisfeita gargalhada é dada em comemoração, quando um novo zunido é ouvido e o combatente em prontidão e euforia se reposiciona para seguir na luta.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

VIP pra quem?

Pista VIP. Como o nome indica, poucos tiveram a chance de ficar a menos de 3 metros do cantor. No gramado que se estendia por entre outros 2 palcos, pessoas em transe, com as mãos para cima, cantarolavam inebriadas o folk que era interpretado.

No meio delas, uma jornalista com caneta e bloquinho em mãos, olhos fundos e inquietos, deixava o corpo ser levado pela melodia enquanto o rosto demonstrava total tédio. Quando percebe a reação extasiada do público aos primeiros acordes de uma nova música, cutuca sua colega de profissão e fã do intérprete.

— Essa musica é importante?

Cantando e dançando enquanto tenta se lembrar o nome, ela acena positivamente com a cabeça.

— Preciso do nome. Você lembra?

— Eeeeh...Lembrei.

A jornalista anota em seu caderninho, enquanto ainda questiona:

— E eu posso dizer que esse é um dos pontos altos do show?

— Com certeza!

— Beleza. Você acha que vai ter mais muita coisa?, pergunta com olhos suplicantes.

— Não. Deve estar terminando.

— Ótimo! Vou pegar as minhas coisas na sala de imprensa e já vou indo. Tchau!

Rápidos beijos nas bochechas são trocados e agora ela se retira, com o rosto mais leve.



quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Cacoete? Que nada! Isso se chama interpretação

Uma “ponta” em uma novela pode ser considerada só mais um meio para se cobrir os gastos do mês ou a grande chance de a câmera e o público serem cativados pelo ator. Vejamos quem quer o quê através de duas versões de uma mesma cena.

Opção 1

Novela Lorotas televisivas
Cena 1524
Claquete

Mocinha: E então doutor? O que eu tenho?
Médico: Infelizmente você desenvolveu um aneurisma cerebral.
Mocinha: Isso quer dizer que eu vou morrer?
Médico: Calma. Pela localização do seu aneurisma, nós podemos fazer uma intervenção cirúrgica e você poderá viver normalmente.

Opção 2

Novela Lorotas televisivas
Cena 1524
Claquete

Mocinha: E então doutor? O que eu tenho?
Médico: Éeee...hmmm...veja bem..cof cof...Segundo os resultados dos seus últimos exames... podemos ver que você desenvolveu ummm... aneurisma cerebral.
Mocinha: Isso quer dizer que eu vou morrer?
Médico: Não. Claro que não...ram ram...Os exames nos mostram que o aneurisma está localizado em uma área...operável. Devemos fazer o procedimento o mais rápido possível.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A moçoila, o viúvo e a vidente

Ela, uma bela morena de 20 poucos anos, não planejava se prender a alguém. Ele, um viúvo passado dos 30, estava louco para ancorar em porto seguro. Durante um mês, insistentemente ele a visitou. A família começou a pressionar. “Porque a moça não dava uma chancezinha ao rapaz?”, a questionavam todos. Irritada, chamou o pretendente para uma conversa franca que começou com um “Você ainda não entendeu que eu não quero nada com você?”.

Desconcertado com a sinceridade da senhorita que vinha lhe tirando o sono, não perdeu a compostura, nem se dissipou o seu interesse. Muito pelo contrário, a personalidade dela o encantou e seu jeitinho mineiro a convenceu. Um mês era o trato. Se ela ainda assim não o quisesse, paciência, ele finalmente se daria por vencido.

Trinta dias se foram e então, ele encontrou uma conhecida que tinha trato com os espíritos e costumava dar úteis conselhos para o futuro. O aviso era claro: se ficar com essa moça vai novamente enviuvar cedo. A morte da mulher com quem viveu por sete anos, ainda o perturbava, não queria reviver a experiência e “ela nem está apaixonada por mim”, dizia para si mesmo.

Assim, cadê o pretendente tão apaixonado? Agora, era ele que tirava o sono dela. A jovem não conseguia encontrar explicação para aquele sumiço. Sentia falta de sua presença e ao mesmo tempo se sentia insultada. “Como é que ele vem na minha casa, fala com a minha família e depois some?”, pensava. Decidida, foi atrás do amado e exigiu um bom argumento para aquela atitude. Ele não podia achar que ia ficar por isso mesmo.

O rapaz não explicou muita coisa, mas a voz mansa, o olhar, o universo, ela não sabia o quê, mas algo lhe dizia que o amor estava lá. Ela teve certeza. Ele sempre teve certeza. Já apaixonada, decidiu perdoar, mas com a condição de que o casamento saísse logo. “Daqui três meses?”, sugeriu o futuro noivo. “Aí também não, né? Preciso de um pouco mais de tempo para organizar tudo”, retrucou.

Felizes, eles se casaram após seis meses. Contudo, por mais que tentasse, a advertência que lhe foi dada ainda rondava os pensamentos dele. Tomou uma decisão: garantiria que todos os seus momentos juntos fossem memoráveis.  Por conta disto, ele cuidou que nos trinta e dois anos seguintes, às vezes, um presente, outras, um cuidado, em ainda outras, um simples gesto sincero fossem as cores que dariam vida aos dias do casal. E agora, após relembrarem sua história com aquele sorriso que persiste em não se retirar, juras de amor são repetidas em uma mesa farta, preparada para esperar a chegada de um novo ano com os mesmos hábitos.