terça-feira, 18 de agosto de 2009

No Busão: Cantoria


Chacoalha de cá, amassa de lá
Um pouco de ar
Difícil encontrar....

Podre. Eu sei. Mas é bem isso que vive quem pega o famoso “busão” por volta das 18h na Grande São Paulo. É um calor humano inacreditavelmente quente. Todo o espaço é preenchido por expressões de cansaço e desânimo. O sentimento em comum é o desejo de chegar logo ao destino.

Por esses dias, contudo, o ambiente “down” não intimidou duas peças raras que resolveram colorir uma viagem. Minha localização espremida, em pé, ao fundo do coletivo não me deu uma boa visualização, mas pude ver alguém de blusa de linho e boné beges de costas para mim e um sorridente rapaz, também de boné, só que azul, e desprovido dos quatro dentes frontais superiores, a sua frente. Em pé, na direção da porta intermediária do coletivo, iniciaram uma conversa animada sobre música.

Eis que foi formada a dupla. Primeira voz para o de bege. Animação e segunda voz para o de azul, que começava:
Cê conhece aquela música do Jorge Aragão?
Claro!
Respondia o outro.
Manda aí, manda aí!
Malandro
(droo)
Eu ando querendo
Falar com você
(ceeeee)
Você tá sabendo
Que o Zeca morreu
(euuu)
Por causa de brigas
Que teve com a lei
(eiiii)

Em concordância com as duplas sertanejas, o grosso da letra ficava com a primeira voz, enquanto a segunda cuidava dos contra cantos, neste caso as últimas sílabas dos versos.

Cheios de caras e bocas, os espectadores se entreolhavam enquanto escondiam risadinhas e faziam comentários maldosos. Isso não incomodou os cantores que continuavam.

Cê conhece o Dorival Caymmi?
Conheço
Então manda aí…

Começava mais uma melodia. Nada foi cantado por inteiro. Assim, de trecho em trecho, o repertório foi até mais dinâmico e abrangente.

O sorridente se empolgou tanto com os dotes musicais do seu companheiro que fez a sugestão: Tua voz é bonita! Tu devia investir na carreira de cantor! As gargalhadas abafadas se proliferaram. Mas a zombaria e o desdém não foram unanimidade na plateia. Como qualquer artista, não conseguiram agradar a todos, porém seu público foi formado. O da camisa bege e seu parceiro de finais de frases receberam comentários positivos de outros passageiros. Duas senhoras de meia-idade sentadas a minha frente elogiaram a escolha das músicas. Só MPB, não é?! Uma dizia a outra. E sejamos honestos. Não era mesmo nada de machucar os ouvidos. Vai ver era inveja da alegria alheia.

De qualquer modo, a opinião dos outros não era uma preocupação que pairava sobre as cabecinhas cantantes. Assim seguimos, ao som de MPB cantada, talvez com pouca afinação, mas com muito gosto e espontaneidade.

*Anna Rachel Ferreira*

4 comentários:

  1. Quem anda de coletivo sempre tem boas histórias para contar, como essa. Isso é muito melhor do que aquele povo que não tem fone de ouvido e liga o infeliz do celular super alto e quer dividir com todo mundo, como se estivesse na casa dele sabe ..... que ódio.

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  2. É ... prá viver as durezas da vida em grande estilo, precisa ter jogo de cintura!!!!!

    Edna

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  3. Por ter otimismo em pé dentro de um busão lotado, os caras merecem um perdãozinho.
    Muito bom!

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  4. Não é todo dia que se escuta dorival no busão, portanto é melhor agradecer, ninguém mandou um zezé e luciano...ufa

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