Estou quieta no escuro,
mas eles não me deixam dormir.
Não consigo parar de pensar.
Minha cabeça lateja.
Cada parte do meu corpo trabalha,
desesperadamente, procurando uma solução.
Enfim, exausta, caio no sono.
Na esperança de que amanhã,
ao menos, eles se escondam
e me deixem em paz.
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
terça-feira, 2 de outubro de 2012
Urgência
As coisas nunca são como gostaríamos que fossem.
Ou até são, mas queríamos que elas acontecessem junto com aquela outra coisa.
Ou que aquela outra coisa acontecesse junto dessa.
A ordem importa. É essencial que seja depressa.
Tudo. Hoje.
Cada coisa espetacular que se consiga imaginar, cada motivo de gargalhada, cada razão para um profundo suspiro, o êxtase.
Aqui. Agora. Nesse minuto.
Depois? Aaah! Que depois? Existe depois?
Isso já não interessa.
Fato é que mais um minuto se passou e neste, nós não sentimos nada.
Então agora, queremos que exista o depois.
Precisa ser no próximo tique do relógio.
Tem que ser.
terça-feira, 10 de abril de 2012
O Chantagista
No auge de seus 3 anos, com cabelos lisos e escuros, chuteira preta e uniforme do Colégio Marista, o menino caminha, chutando o chão, com a cabeça baixa e aquele ar inconformado de quem matuta a solução para um problema após vários esforços frustrados.
Ao observar a cena, é possível concluir que a moça de branco que o acompanha é a chave. O garoto se empenha na argumentação para conseguir demovê-la do intuito de denunciá-lo para a autoridade mais temida: a mãe. Ora nega, ora implora, mas não consegue fazê-la mudar de ideia.
Qual terá sido o crime?
A)Atravessar a rua correndo.
B)Puxar o cabelo do amiguinho na escola.
C)Responder mal a professora.
D)Falar palavrão.
E)NDA.
Não há como saber. Por certo, algo grave, pois ele usa todo o seu arsenal de despertamento da compaixão feminina (leia-se cara de coitado, voz embargada e olhos suplicantes). O problema é que nada funciona. Ela é linha dura.
Após alguns minutos, o réu infante se sente cada vez mais encurralado e está entrando em pânico quando, de súbito, seu rosto se ilumina. Em segundos, deixa toda a resignação de lado, infla o peito, levanta a cabeça imponente e grita convicto:
— Eu vou falar que você fez cocô na calça!
Ao que ouve:
— Pode falar o que você quiser!
A cabeça torna a baixar, os ombros são levados para frente, o olhar acompanha os pés que voltam a chutar o chão e ele segue, desolado.
Ao observar a cena, é possível concluir que a moça de branco que o acompanha é a chave. O garoto se empenha na argumentação para conseguir demovê-la do intuito de denunciá-lo para a autoridade mais temida: a mãe. Ora nega, ora implora, mas não consegue fazê-la mudar de ideia.
Qual terá sido o crime?
A)Atravessar a rua correndo.
B)Puxar o cabelo do amiguinho na escola.
C)Responder mal a professora.
D)Falar palavrão.
E)NDA.
Não há como saber. Por certo, algo grave, pois ele usa todo o seu arsenal de despertamento da compaixão feminina (leia-se cara de coitado, voz embargada e olhos suplicantes). O problema é que nada funciona. Ela é linha dura.
Após alguns minutos, o réu infante se sente cada vez mais encurralado e está entrando em pânico quando, de súbito, seu rosto se ilumina. Em segundos, deixa toda a resignação de lado, infla o peito, levanta a cabeça imponente e grita convicto:
— Eu vou falar que você fez cocô na calça!
Ao que ouve:
— Pode falar o que você quiser!
A cabeça torna a baixar, os ombros são levados para frente, o olhar acompanha os pés que voltam a chutar o chão e ele segue, desolado.
quinta-feira, 22 de março de 2012
A formiga feliz
As formigas operárias caminham lenta e apressadamente (mais uma das contradições dessa vida) pelos longos corredores do formigueiro subterrâneo. Cabisbaixas, elas avistam uma formiga macho, loira e cabeluda, que se destaca. Munida de um papel sulfite posicionado ao lado do rosto, ela caminha tranquilamente com um olhar feliz. Difícil não reparar. Conforme se aproxima, as demais esticam os pescoços e espremem os olhos a fim de decifrar o que está escrito na tal folha. E então,“S-O-R”, olhares se iluminam, “R-I”, lábios e bochechas se movem, “A”, sorrisos tímidos nascem e abastecem o tanque de combustível para o dia.
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
Românticos
Um fim de tarde, no quarteirão que compreende 87 metros da Rua Conselheiro Pereira Pinto, em São Paulo. Foi neste cenário que o clichê romântico amor a primeira vista se tornou olhares, encantamentos, indecisões, expectativas e suspiros reais.
De calça preta tactel, camiseta branca, tênis, agasalho amarrado abaixo da cintura e mochila, caminhava com ar cansado, a cabeça levemente inclinada para o chão e os pensamentos variando entre as alunas preguiçosas que fazem charme durante a aula, a agenda do final de semana e a soneca de logo mais.
Do lado oposto, vestindo calça social preta reta, blusinha florida, scarpin preto, blazer e bolsa social, seguia a passos firmes, com olhos fitos no trajeto e os pensamentos variando entre cuidados de beleza e a grosseria peculiar do chefe, mas voltando sempre a necessidade física de chegar a casa.
Poucos segundos após ambos adentrarem o pequeno quarteirão, os olhares se cruzaram de maneira tão inesperada e espontânea que ignorar seria impossível. A expressão que se desenhou em seus rostos era de êxtase, combinado com vergonha e certo magnetismo. Já a de quem passava por perto era de empolgação, misturada com descrença e um pouquinho de inveja.
Continuaram andando no mesmo ritmo. A pequena platéia de três pessoas diminuiu o passo para discretamente observar com o coração cheio de expectativas, na torcida de presenciar uma cena digna de roteiro de cinema. O casal se aproximava rapidamente, apesar de o tempo se tornar meio confuso pra todos naqueles momentos. Mais perto. Ainda mais. Chegando. É agora. Os olhares se cruzaram, não se desgrudaram, mas simplesmente se perpassaram.
Os espectadores se dispersaram inconformados, porém havia uma otimista, que permaneceu a passos lentos e olhando sorrateiramente para trás na esperança de que algo mais acontecesse. E assim foi.
Eles não acreditavam em destino, muito menos em amores nascidos de encontros nada convencionais como aquele, mas algo os fazia querer novamente admirar um ao outro como quando se vê uma obra de arte que finalmente te faz entender o que é o belo. Assim, no mesmo instante, ambos se viraram. Se observaram minuciosamente, porém amedrontados com tamanha sintonia inexplicável, desistiram.
Se a vida foi generosa como nos filmes fofos, que povoam a imaginação do adolescente apaixonado dentro de nós, e lhes deu novas oportunidades, não se sabe. Certo é que o casal de protagonistas, aquela expectadora persistente e também, no fundo, os que deixaram a platéia sem ver a conclusão da sequência se retiraram sentindo um leve aperto no peito e dizendo em silêncio um sincero amém.
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
O Não
Aquele que recusa, rejeita, priva, destitui, impossibilita.
Aquele que fecha a porta.
Aquele que obriga a mudar a rota,
mas que preserva a chance de seguir em frente.
Aquele que fecha a porta.
Aquele que obriga a mudar a rota,
mas que preserva a chance de seguir em frente.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
O Pássaro na Chuva
Muitas gotas de água caíam do céu. Caminhando pela calçada, vi um passarinho todo pomposo parado logo à frente. Achei estranho. Porque ele não fugia da chuva? Pensei que talvez a liberdade também seja correr riscos. Pensei que talvez ser livre seja ter coragem para admirar a beleza da vida sem uma couraça protetora. Pensei que talvez Gil Pender tenha razão: Andar na chuva pode ser divertido. Só pensei. A segurança do guarda-chuva me pareceu mais atraente. O pássaro voou e eu segui. Quem sabe num outro dia?
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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
Sociedade Ideal
Queria que todos pudessem fazer o que gostam e estar com as pessoas que amam.
Queria que isso fosse o bastante.
Queria que isso fosse o bastante.
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
“Acompanhante de Celi!”
Na sala de espera de um centro de diagnóstico em gastroenterologia, a enfermeira baixinha com ar rabugento abriu a porta que leva a área de exames e anunciou: “Acompanhante de Celi!”. Como ninguém atendeu ao chamado, ela deu alguns passinhos para frente e, ainda segurando a porta repetiu: “Acompanhante de Celi!”. Todos se entreolharam e fizeram comentários aos cochichos, mas não houve resposta. Com um suspiro de desaprovação, ela se retirou. Minutos depois voltou para chamar: “Seu João, acompanhante de Dona Celi!”.
Quando todos perceberam que ninguém se pronunciaria, um senhor, de cinqüenta e poucos anos, se ofereceu para perguntar na escadaria de entrada do centro. Vai que o tal João estava lá? Não estava. A enfermeira, já desesperançosa, de novo fez soar a convocação: “Seu João, acompanhante de Dona Celi!”. O solícito homem que havia decidido se empenhar na busca pelo seu João e liberar a coitada da Dona Celi, avistou um indivíduo de estatura mediana, barrigudo e de cabelos escuros dormindo na última fileira de cadeiras e comentou: “Será que não é ele?”.
A enfermeira, querendo resolver logo o impasse, deu de ombros e fez aquela expressão de “quem sabe?”. Imediatamente, um rapaz que estava ao lado do dorminhoco foi instruído a tentar acordá-lo. “Você é o seu João?”, perguntou ao cutucá-lo. Com os dedos entrelaçados, ele levou as mãos para alto, bocejou e indicou que sim com a cabeça. “Aeeeeeee!”, os demais espectadores gritaram, enquanto riam com a satisfação de quem presenciava o acontecimento de algo muito esperado. Dona Celi poderia ir para casa.
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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
O Tombo
“Plaft!”. Diferente do liso e molhado chão que causou a queda, o barulho foi seco e o tombo, dolorido. Era mais um daqueles dias chuvosos na capital paulista, quando portando um grande guarda-chuva verde e calçando o recém adquirido All Star rosa, ela caiu estatelada de bunda no chão.
Não sabia se ria ou se chorava, se amaldiçoava o responsável pela calçada, pela chuva ou pelo All Star, se morria de vergonha ou de dor, se conseguiria um dia se levantar dali ou não. O destino estava próximo. A moça só queria chegar ao seu local rotineiro de trabalho, a poucos metros dali, mas a dor que tomou toda a região de seu Cox , e a falta de transeuntes solidários a impediu por alguns minutos.
Até que, com um longo e profundo suspiro, ela criou coragem. Colocou as mãos sujas que ardiam de volta no chão e, com um impulso, se levantou. Ao ficar em pé, percebeu que a missão de caminhar não seria fácil. Deu alguns poucos passos e, como a vergonha neste instante era bem menor do que a dor que sentia, foi até a portaria do prédio ao lado para compartilhar o que alguns chamariam de “mico” e pedir algum tipo de ajuda.
Subiu os cinco degraus da entrada, fez uma cara de pobre menina machucada e disse: “Moço, eu caí ali na calçada”. O porteiro, não entendendo nada, quis saber onde. Ela explicou que era na casa do lado e choramingou: “Tô com o bumbum e as pernas doendo pra caramba. Minhas mãos estão sujas. Será que eu posso entrar, me sentar e lavar as mãos em algum lugar? Rapidinho?”.
O idoso compadecido foi logo abrindo o portão e oferecendo a sua cadeira na guarita para a acidentada. Um misto de alívio e felicidade se instaurou, enquanto ela abriu um largo e encabulado sorriso. Ficou por alguns instantes, lavou as mãos, se recuperou, agradeceu e foi trabalhar a passos lentos, mas confiantes, já que desvios acontecem e a vida continua.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
A Batalha
Joelhos semi-flexionados, tronco levemente curvado para frente, braços posicionados para uma partida de tênis, olhos desafiadores que miram o alto e ouvidos atentos para encontrar os responsáveis pelo incômodo zunido e os vermelhões que são colecionados na extensão da pele que tenta respirar, desprovida de coberturas têxteis no calor veranil dos trópicos.
Os assistentes levam seu trabalho a sério. Como navegadores em uma corrida automotiva, eles dão indicações de onde encontrar os inimigos. Cada um grita uma direção, mostra com as mãos, abaixa a cabeça para se proteger de possíveis complicações de batalha, enquanto, em êxtase pelo porte da arma que lhe dá o controle sobre a vida e a morte dos adversários, o atacante escala obstáculos, dá curtos saltos e fortes golpes no ar.
Apesar de melhor equipado, maior e mais forte, o obstinado guerreiro perde os rivais de vista que parecem ter na pequenez seu grande trunfo. Até que um surge bem a sua frente. De maneira instintiva, ele faz um rápido e forte movimento com o braço direito. A sinfonia de estalos, as faíscas azuis e a fumaça da vitória são emitidas do instrumento de ataque e, uma grande e satisfeita gargalhada é dada em comemoração, quando um novo zunido é ouvido e o combatente em prontidão e euforia se reposiciona para seguir na luta.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
VIP pra quem?
Pista VIP. Como o nome indica, poucos tiveram a chance de ficar a menos de 3 metros do cantor. No gramado que se estendia por entre outros 2 palcos, pessoas em transe, com as mãos para cima, cantarolavam inebriadas o folk que era interpretado.
No meio delas, uma jornalista com caneta e bloquinho em mãos, olhos fundos e inquietos, deixava o corpo ser levado pela melodia enquanto o rosto demonstrava total tédio. Quando percebe a reação extasiada do público aos primeiros acordes de uma nova música, cutuca sua colega de profissão e fã do intérprete.
— Essa musica é importante?
Cantando e dançando enquanto tenta se lembrar o nome, ela acena positivamente com a cabeça.
— Preciso do nome. Você lembra?
— Eeeeh...Lembrei.
A jornalista anota em seu caderninho, enquanto ainda questiona:
— E eu posso dizer que esse é um dos pontos altos do show?
— Com certeza!
— Beleza. Você acha que vai ter mais muita coisa?, pergunta com olhos suplicantes.
— Não. Deve estar terminando.
— Ótimo! Vou pegar as minhas coisas na sala de imprensa e já vou indo. Tchau!
Rápidos beijos nas bochechas são trocados e agora ela se retira, com o rosto mais leve.
No meio delas, uma jornalista com caneta e bloquinho em mãos, olhos fundos e inquietos, deixava o corpo ser levado pela melodia enquanto o rosto demonstrava total tédio. Quando percebe a reação extasiada do público aos primeiros acordes de uma nova música, cutuca sua colega de profissão e fã do intérprete.
— Essa musica é importante?
Cantando e dançando enquanto tenta se lembrar o nome, ela acena positivamente com a cabeça.
— Preciso do nome. Você lembra?
— Eeeeh...Lembrei.
A jornalista anota em seu caderninho, enquanto ainda questiona:
— E eu posso dizer que esse é um dos pontos altos do show?
— Com certeza!
— Beleza. Você acha que vai ter mais muita coisa?, pergunta com olhos suplicantes.
— Não. Deve estar terminando.
— Ótimo! Vou pegar as minhas coisas na sala de imprensa e já vou indo. Tchau!
Rápidos beijos nas bochechas são trocados e agora ela se retira, com o rosto mais leve.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Cacoete? Que nada! Isso se chama interpretação
Uma “ponta” em uma novela pode ser considerada só mais um meio para se cobrir os gastos do mês ou a grande chance de a câmera e o público serem cativados pelo ator. Vejamos quem quer o quê através de duas versões de uma mesma cena.
Opção 1
Novela Lorotas televisivas
Cena 1524
Claquete
Mocinha: E então doutor? O que eu tenho?
Médico: Infelizmente você desenvolveu um aneurisma cerebral.
Mocinha: Isso quer dizer que eu vou morrer?
Médico: Calma. Pela localização do seu aneurisma, nós podemos fazer uma intervenção cirúrgica e você poderá viver normalmente.
Opção 2
Novela Lorotas televisivas
Cena 1524
Claquete
Mocinha: E então doutor? O que eu tenho?
Médico: Éeee...hmmm...veja bem..cof cof...Segundo os resultados dos seus últimos exames... podemos ver que você desenvolveu ummm... aneurisma cerebral.
Mocinha: Isso quer dizer que eu vou morrer?
Médico: Não. Claro que não...ram ram...Os exames nos mostram que o aneurisma está localizado em uma área...operável. Devemos fazer o procedimento o mais rápido possível.
Opção 1
Novela Lorotas televisivas
Cena 1524
Claquete
Mocinha: E então doutor? O que eu tenho?
Médico: Infelizmente você desenvolveu um aneurisma cerebral.
Mocinha: Isso quer dizer que eu vou morrer?
Médico: Calma. Pela localização do seu aneurisma, nós podemos fazer uma intervenção cirúrgica e você poderá viver normalmente.
Opção 2
Novela Lorotas televisivas
Cena 1524
Claquete
Mocinha: E então doutor? O que eu tenho?
Médico: Éeee...hmmm...veja bem..cof cof...Segundo os resultados dos seus últimos exames... podemos ver que você desenvolveu ummm... aneurisma cerebral.
Mocinha: Isso quer dizer que eu vou morrer?
Médico: Não. Claro que não...ram ram...Os exames nos mostram que o aneurisma está localizado em uma área...operável. Devemos fazer o procedimento o mais rápido possível.
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
A moçoila, o viúvo e a vidente
Ela, uma bela morena de 20 poucos anos, não planejava se prender a alguém. Ele, um viúvo passado dos 30, estava louco para ancorar em porto seguro. Durante um mês, insistentemente ele a visitou. A família começou a pressionar. “Porque a moça não dava uma chancezinha ao rapaz?”, a questionavam todos. Irritada, chamou o pretendente para uma conversa franca que começou com um “Você ainda não entendeu que eu não quero nada com você?”.
Desconcertado com a sinceridade da senhorita que vinha lhe tirando o sono, não perdeu a compostura, nem se dissipou o seu interesse. Muito pelo contrário, a personalidade dela o encantou e seu jeitinho mineiro a convenceu. Um mês era o trato. Se ela ainda assim não o quisesse, paciência, ele finalmente se daria por vencido.
Trinta dias se foram e então, ele encontrou uma conhecida que tinha trato com os espíritos e costumava dar úteis conselhos para o futuro. O aviso era claro: se ficar com essa moça vai novamente enviuvar cedo. A morte da mulher com quem viveu por sete anos, ainda o perturbava, não queria reviver a experiência e “ela nem está apaixonada por mim”, dizia para si mesmo.
Assim, cadê o pretendente tão apaixonado? Agora, era ele que tirava o sono dela. A jovem não conseguia encontrar explicação para aquele sumiço. Sentia falta de sua presença e ao mesmo tempo se sentia insultada. “Como é que ele vem na minha casa, fala com a minha família e depois some?”, pensava. Decidida, foi atrás do amado e exigiu um bom argumento para aquela atitude. Ele não podia achar que ia ficar por isso mesmo.
O rapaz não explicou muita coisa, mas a voz mansa, o olhar, o universo, ela não sabia o quê, mas algo lhe dizia que o amor estava lá. Ela teve certeza. Ele sempre teve certeza. Já apaixonada, decidiu perdoar, mas com a condição de que o casamento saísse logo. “Daqui três meses?”, sugeriu o futuro noivo. “Aí também não, né? Preciso de um pouco mais de tempo para organizar tudo”, retrucou.
Felizes, eles se casaram após seis meses. Contudo, por mais que tentasse, a advertência que lhe foi dada ainda rondava os pensamentos dele. Tomou uma decisão: garantiria que todos os seus momentos juntos fossem memoráveis. Por conta disto, ele cuidou que nos trinta e dois anos seguintes, às vezes, um presente, outras, um cuidado, em ainda outras, um simples gesto sincero fossem as cores que dariam vida aos dias do casal. E agora, após relembrarem sua história com aquele sorriso que persiste em não se retirar, juras de amor são repetidas em uma mesa farta, preparada para esperar a chegada de um novo ano com os mesmos hábitos.
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